segunda-feira, 2 de abril de 2012

Alerações do CDC - Críticas às propostas da comissão especial do senado (4)

Alterações do CDC - Críticas às propostas da comissão do senado (4)


Nossa contrariedade a qualquer alteração no CDC pode ser assim sumariada:
a) o Código de Defesa do Consumidor, embora concebido há mais de vinte anos, continua tão atual quanto àquela época;
b) cuida-se, com efeito, de uma lei de cunho principiológico[1], de caráter multi e interdisciplinar, o que fica claro pelo enunciado de seu art. 7º, caput[2], na medida em que se relaciona com todos os ramos do direito, e, ao mesmo tempo, contempla em seu bojo institutos que caberiam, como de resto couberam, em outros diplomas legais como, por exemplo, a responsabilidade civil objetiva, hoje constante, também, do Código Civil, no parágrafo único do art. 927, o princípio de boa-fé objetiva, bem como a interpretação mais favorável a um dos contratantes nos contratos de adesão (arts. 113, 421 e 422 do Código Civil, e.g.); isto sem se falar de legislações relativas à qualidade, metrologia e normalização de produtos e serviços, concorrência, propriedade industrial, atividades bancárias, securitárias, serviços públicos essenciais prestados por empresas permissionárias ou concessionárias, educação e previdência privadas etc.
c) sua maior e melhor implementação depende, isto sim, da atuação mais incisiva, porém, mas ponderada e objetiva, dos órgãos públicos e das entidades não governamentais de proteção e defesa do consumidor, bem como, e principalmente, dos operadores do direito, com especial ênfase dos órgãos do poder judiciário, não ainda, em grande parte, aptos e preparados para cuidarem dos direitos e interesses abrigados pelo referido código;
d) se a internet, por exemplo, não fora antevista à época da concepção do Código (1988-89), referido instrumento, embora certamente tenha surpreendentes peculiaridades, no âmbito das relações de consumo, não passa de um meio a mais, eletrônico, tanto de veiculação eletrônica de ofertas e mensagens publicitárias, quanto de negociação e contratação; entretanto, o art. 49 do CDC já contempla a hipótese de negociação dita virtual, quando feita fora do estabelecimento comercial do fornecedor de produto ou serviço, resguardando o consumidor, inclusive, com o direito de desistência da compra assim efetuada; entretanto, o chamado marco regulatório dos múltiplos processos e aplicações de informática não se resume, apenas, à oferta, publicidade e contratos firmados entre consumidores e fornecedores, mas vai muito além, no que tange a negócios entre fornecedores, crimes cibernéticos, chaves públicas e privadas, por exemplo, meandros das comunicações, concessões, permissões etc. E fica a indagação: é oportuno e conveniente a regulação parcial numa lei de defesa do consumidor?
e) por outro lado, e não menos importante: sabendo-se que neste país, embora bafejado pelo processo legislativo democrático, há mais de 26 anos, até esta parte, os interesses e lobbies são dos mais variados matizes, nem sempre condizentes com os anseios consumeristas, não se verão tentados, por intermédio de congressistas, a se aproveitarem da ocasião e subtraírem conquistas tão dura e custosamente conseguidas? Vide o caso, por exemplo, do Código Florestal que, no enfoque dos ecologistas, estará a implicar em perigoso retrocesso ao vigente, ainda que concebido na década de 60 do século passado.
Dentro ainda dessa última perspectiva, ponderamos que, sabendo-se que há em tramitação no Congresso Nacional mais de cinco centenas de projetos de lei modificando aqui e ali o Código de Defesa do Consumidor, aos quais se juntarão as propostas ora analisadas, sem se falar do projeto de Código de Processo Coletivo e estudos visando a incluir novos livros no Código Penal quanto à sua parte especial definidora de delitos e penas, tudo aliado à circunstância de que o próprio Código Civil, em matéria de responsabilidade civil e tutela contratual, iguala todos os sujeitos de direito, antevemos a pura e simples extinção do Código de Defesa do Consumidor.
Sim, até porque, se suas pedras angulares são a vulnerabilidade de uma das partes das relações de consumo, encimadas pelo princípio secular da boa-fé e a destinação final de produtos e serviços, circunstâncias essas, bem ou mal, já contempladas no Código Civil, pergunta-se: para que um Código do Consumidor, então, se todos são --- agora --- iguais perante a lei?
f) Quanto à tutela processual coletiva, como se verá no anexo respectivo, além se haver projeto para a sua disciplina geral para todos os tipos de interesses difusos, coletivo e individuais homogêneos de origem comum, as sugestões em pauta somente se aplicariam ao consumidor, e não aos demais interesses coletivos, lato sensu.
Ainda no que tange à tutela coletiva do consumidor, percebe-se que o anteprojeto é muito mais direcionado aos magistrados, na medida em que pretende tornar mais explícita e didática, a classe dos chamados interesses e direitos individuais homogêneos de origem comum. Ou seja, parte-se do pressuposto de que os magistrados, em especial, não apenas não sabem a distinção entre os três tipos de tutela coletiva (difusa, coletiva stricto sensu, e individuais homogêneos), decidindo como se se cuidasse de interesses meramente individuais, ou equivocando-se quanto às características de uns e outros, como têm decidido como se direitos e individuais puros fossem.
Seu único dado positivo foi a proposta da criação de cadastro geral das ações coletivas e compromissos de ajustamento de conduta nos âmbitos dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público no âmbito do consumidor.
Referida iniciativa, entretanto, além de não ser original, já que ambas as instituições já baixaram a Resolução nº 02/2011-CNMP-CNJ, não contempla: nem os outros interesses e direitos difusos e coletivos, além dos do consumidor, nem tampouco a resolução de conflitos de atribuições entre os diversos órgãos do Ministério Público, hoje dirimidos pelo Supremo Tribunal Federal, quando, na verdade, se trataria de questão de interesse específico, de cunho administrativo, dos referidos órgãos. Aliás, a esse respeito propusemos tese específica em congresso nacional do Ministério Público, em 1996, mas acometendo essa atribuição ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça, depois reformulada para que tal atribuição fosse acometida ao Conselho Nacional do Ministério Público[3].
g) Igualmente quanto à tutela penal, e conforme já programado pela comissão originária do anteprojeto de que redundou a Lei nº 8.078/1990, os delitos aí previstos, apenados mui brandamente, e embora assecuratórios ou garantidores dos preceitos dispositivos de cunho civil e administrativo, certamente serão transpostos para uma futura parte especial de um novo Código Penal, ou, simplesmente derrogados; ou, na melhor das hipóteses, absorvidos pela Lei nº 8.137/1990.
[1] Terminologia cunhada por nós e utilizada, aliás, ao contrário do aduzido pelo ministro Benjamin, que a atribuiu equivocadamente no evento ao Prof. Nélson Nery Jr., e isto desde sempre, mas mais particularmente em simpósio realizado em agosto de 2010 no Ministério da Justiça, exatamente sobre os vinte anos do Código do Consumidor e, posteriormente, em outro simpósio na Faculdade de Direito da U.S.P.
[2] Art. 7º - Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
[3] Cf. Ação Civil Pública Consumerista: conflitos de atribuições entre Ministérios Públicos, Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nº 84, julho/agosto de 2007, São Paulo, págs. 89-124.

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